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Senegal, a janela de África Ocidental

Primeiras Impressões

Dakar é uma cidade de extremos. Na Avenida George Pompidou tão depressa vemos malta em carroças carregadas de tralha a partilhar uma faixa que não existe com SUVs acabados de sair do stand, a partilhar a poeira que largam ao passar. Os Bush Taxis ornamentados ao rubro, os 7 place sempre com mais de sete lá dentro e os taxis amarelos a largar peças pelo caminho. Senhoras elegantes enfiam saltos finos em calçadas empoeiradas e empresários vestidos de terno, sem cerimónia, ajoelham-se no meio da rua para a reza da uma. Dakar também acolhe uma misturada de praias, com tanto sol como gente e mais gente a jogar à bola, a preparar as redes para a faina ou a despejar o mijo de 2 dias, num alguidar na tola, que trouxe de casa. Os mercados são forrados de toneladas de cores garridas dos tecidos africanos, as estatuetas de madeira, chinelos, chanatas, camisolas da bola, merdas que não faço ideia para o que servem. Enfim, tanta tanta tralha igual. Para quem (??)

Apesar das inúmeras atrações, a capital do Senegal permaneceu durante muito tempo ignorada por muitos visitantes. *Faz sentido, pois não se distingue em grande coisas de muitas outras cidades de África Ocidental: lixo em barda, trânsito caótico e tanta massa humana à deriva. Um espectáculo de luz, cor, cheiros e milhares de águias lá no alto.


Île de Gorée

Palco da luta pelo poder entre os portugueses, holandeses e franceses, Gorée foi um dos mais importantes locais de comércio de escravos em África. Iniciado, dramaticamente, pelos portugueses – PERGUNTO EU, SE CONTINUAM (como no meu tempo) A IGNORAR ESTA ALARVIDADE NOS MANUAIS ESCOLARES, QUANDO RELATAM O GLORIOSO PERÍODO DAS INVASÕES PORTUGUESAS. Perdão, SAQUE.

NÃO?? Ahh pois, DESCOBRIMENTOS! -

Adiante.

No ponto mais ocidental do continente africano, a Ilha de Gorée, também conhecida pela The Door of No Return, foi entreposto de partida de escravos para a América. Do século XV ao século XIX, milhares e milhares de escravos passaram por este pedaço de terra com pouco mais de 1 km por 200 metros. Em 1978 fez-se Património Mundial da UNESCO como símbolo da exploração humana e um santuário para a reconciliação.

Como a exploração humana se mantém em barda por todo o lado e com métodos mais rebuscados e contemporâneos, deixo uma velinha na parte da reconciliação 🙏

il n'y a pas de carros ou casas modernaças no boteco. É tudo a cair de podre e, as que  tiveram manutenção, têm a pinta colonialista. Voilá, o pittoresque do final do século XVIII.

(discreta a minha passagem pela wiki, não?)

A praça central reúne a comunidade e uma quantidade, desproporcional à ilha, de putos Sadio Mané-Wannabes a driblar forte ora na redondinha, ora nas canelas do vizinho, até à pantufada final. 3 secos sem resposta, ganham os da casa.


Na nga def, Ngór!

É com entusiasmo que saímos da cidade. Já há largos anos que a urbe deixou de ser a minha praia e só de pensar que a vou ver pelas costas, dá-me um quentinho no coração. Neste caso, o quentinho é integral. Com uma brasa que dói, níveis de humidade a rondar os 98%, sentimos o Nilo a desaguar nas nossas costas.

Ngór é um bairro nos subúrbios de Dakar que, com alguma fortuna geológica, tem uma pequena ilha com o mesmo nome. Uma língua de terra de 500 por 200 metros a que alguns chamam de paraíso. Para lá chegar, embarcamos numa piroga para 20, onde cabem 60 pessoas. Depois de 5 minutos a boiar nesse lindo caos, chegamos à praia da ilha. Com a maré cheia, vemo-nos num enclave de areia com pouco mais de um metro, entalado entre as tascas locais e o mar de água morna. Dali seguimos pelo trilho meio labirinto, de terra batida e paredes coloridas que denunciam as manifestações artísticas de pintores, escultores ou o glorioso guardião das plantas d’água, Abdoulaye.

Para dormir, subimos a parada com um pardieiro super roots com vista para o mar. Sorte danada, estamos no período migratório dos cetáceos por estas bandas. Nem uma girafa nos passou pelos olhos…

Em 1964, Robert August e mais uns malandros, estacionaram aqui uns dias enquanto vagueavam pelo mundo a surfar e a rodar o clássico The Endless Summer. Obrigado Poseidon, pelas ondas de pouco mais de um metro, com direitinhas a partir definidas, como eu gosto. Foram 3 horas de absoluto deleite, de partilha de vagas com dois senegaleses locais e uma chuva-sunset torrencial a roçar o épico. À noite, com os elementos todos no peito, jantamos uma tajine. Versão senegalesa feita por um marroquino, foi devorada num ápice pela malga comunitária. Como manda a tradição ancestral, acabamos a chupar os dedos. Hoje dormimos bem. Muito calor, eu, tu e um rato. bonne nuit. (Tu as mâché mon sac préféré, rat de merde).


Île de Saint-Louis

A ilha já não é bem uma ilha, depois de lhe terem espetado com três pontes cravadas a ferro e cimento. Saint-Louis foi fundada pelos avecs no século XVII. A levar banho do rio Senegal por um lado e o Atlântico do outro, este pedaço de terra, deu cartas a nível cultural e económico por toda a África Ocidental, o que a tornou capital do Senegal durante quase 100 anos.

Mais recentemente, deram-lhe uma palmadinha nas costas em forma de Património Mundial da Unesco.

O património existe de facto. No entanto sente-se que os tempos áureos de progresso colonialista já foram há muito, e o que ficou está a levar com a coça da maresia, da chuva, do sol e do tempo, o mais demolidor. Apesar de não haver chuva, estamos na época das chuvas e do calor húmido, quando o 20 fell like 30°C. Por isso as ruas estão tranquilas, sem turistas (5 branquelas, contei eu em 3 dias). Somos alvos fáceis dos miúdos que pedem dinheiro, ou do transeunte que tenta que lhe compres uma máscara de madeira estupidamente inflacionada. Faz sentido. Grande parte destas comunidades são dependentes da pesca ou do turismo, onde a subsistência é gerida dia para dia. Demos alguma comida aos miúdos e seguimos para Bureau du Parc de la Langue de Barbarie. Um santuário de aves que, para manter o conceito, também não tem aves. Três pelicanos, lá no boda, e um pôr-do-sol a cheirar a África.


Sobo Badè

Nestas viagens mais chill, deixamos muitas pontas soltas. Decidimos o dia a dia em cima do joelho e deixamos os acontecimentos tomarem conta dos caminhos. Hoje fugimos de Saint-Louis pela porta de uma 7place que, por sorte, só levou sete. Calhou-me a fava no lugar de trás, aninhado entre dois locais espadaúdos. Escalfei a viagem toda.

O destino é Toubab Dialaw, uma vila a cerca de 50 km ao sul de Dakar, tranquilo para comer peixe fresco e um banho de mar. Apesar de não precisarmos de mais nada para viver, também nos ocorreu que dava um jeitão uma cama. Voilá, Sobo Badé!

Sobo” é o deus vodu das tempestades e “Badé” é a deusa dos raios. A arquitetura,

é uma freakisse com toques de Gaudi, movida pela visão artística de Gerard Chenet, haitiano que chegou ao Senegal, não sei bem como nem porquê. Mas calculo que se tenha servido de bonne ganja, pois está aqui um cantinho muito especial.


Cap Skirring

O dia acordou bonito na costa azul de Toubab Dialaw. Ontem andámos de volta de uma solução lógica para nós mandarmos para sul, Casamance. O ferry ficou logo encostado à boxe, pois o bote deu o berro e está no estaleiro por data indefinida – ou seja, até ser politicamente estratégico dar um docinho ao povo – fazendo valer algumas conversas com locais. O bus está fora de questão: depois da tareia de Saint Louis, levar com 17 horas de autocarro no lombo ia tirar alguns anos de vida a este corpinho cansado. Não foi difícil optar pela opção tanto burguesa como inteligente: voo directo e que se lixe.

A chegada foi num ápice e por mil paus de taxi  já estamos em Pacotouty, umas cabaninhas fancy, com cozinha comum, para fazermos a nossa comida – O corpo está a gritar por vegetais!

“A Prisão dos Ricos” é como os senegaleses chamam as resorts em barda que povoam Cap Skirring. Charters de patos bravos vêm de França, Bélgica e sei lá, para se enfiarem numa bolha de luxo em frente ao mar, a tostar no sol de África Ocidental. A grande maioria só vê um Senegalês, quando lhes vão trocar as toalhas ou fazer-lhes um mojito. O mais perverso é que a electricidade estável, os esgotos a funcionar sem problemas, as caixas multibanco e um role gigante de serviços só funcionam quando os avecs andam aí. O lobby do Club Med é tão potente que o governo faz o que for preciso para agradar os meninos. Paradoxalmente, o povo gosta, pois as coisas funcionam. Dinheiro na comunidade: zero. Enfim…

As praias, na maré baixa, são um mimo para andar de bike. É provavelmente a forma mais eficaz para nos surpreendermos no caminho, com as pessoas que cruzamos, a faina, vendedores de peixe na areia, putos e mais putos na praia, vacas, abutres, burros e tudo um mundo de cor e luz.


Pointe Saint-Georges

Pointe Saint-Georges recebe-nos de braços abertos a quem se dá ao trabalho de lá ir. Não é fácil, para não variar nesta terra danada para lá de Namek. Mais uma chapa, mais uma voltinha de 7place, com sete sardinhas em lata a dar forte no suor. Chaleur de merde!

Pointe Saint-Georges é uma pequena vila na margem do rio Casamance, habitat natural dos peixes-boi. Manatins, para os mais entendidos, Lamantin para os avecs ou Trichechus manatus, para os caga na saquinha. Aqui encontram tranquilidade na precária sobrevivência da espécie, pois foi criada uma área marinha comunitária protegida à volta da aldeia.No que toca a peixe-boi, não vimos um boi.De costas para o rio, a paisagem muda consoante o temperamento da chuva. Verde quando abunda e amarelo quando escassa. Hoje, na floresta de Kanoufa, trepamos a maior das centenárias fromager e deixamo-nos estar até o sol descer, enquanto o verde da chuva de ontem está a dar tudo.



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