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Burros há muitos, mas estes estão em extinção.

texto de Ivete Carneiro / Volta ao Mundo / Evasões | 19 outubro 2021

Certo dia, ofereceram um burro a Cláudia. Literalmente. De carne e osso (e pêlo), para gáudio dela que já era apaixonada por estes bichos. Vivia ela em Lisboa numa vida das 9 às 5 que lhe dizia pouco ou nada e que a tinha feito arrumar a máquina fotográfica da formação num saco bem guardado. O burro foi instalado numa quinta de amigos, já com o nome carinhosamente mudado de Escarigo (aldeia próxima de Figueira de Castelo Rodrigo, concelho onde viera à luz) para um mais prático Alfredo. Nas voltas pelo planeta Google, Cláudia descobriu a mirandesa Associação para o Estudo e Proteção do Gado Asinino (AEPGA) e fez-se sócia. Passado um ano, o desemprego abriu-lhe as portas do voluntariado. Mudou-se para Miranda do Douro por um mês. Foi há 11 anos. Continua por lá. E levou o Alfredo.

dia um

Entre caminhos florestais, deixamos para trás a aldeia do Soajo até ao vale, ladeado por muros graníticos coberto por bosques de carvalhos e sobreiros, ao encontro de poços de água cristalina que poucos conhecem.

O Gerês tem um verde que só existe cá.


Caminhamos para onde os cavalos garranos correm livremente, as vacas cachenas pastam nas brandas perdidas pela serra que, com a tranquilidade de um pastor, subimos até a vista já pode alcançar o infinito. Agora sim, mergulhamos no coração do Parque Nacional do Gerês. Esse bicho temperamental.




dia dois

Seja inverno, seja verão, a manhã aos 1200m de altitude é sempre fresca. Enquanto os nossos corpos acordam lentamente, depois da papa-tsunami, o trilho segue para Norte, a subir até ao pico do Muranho. Quando foi a última vez que tomaste banho numa lagoa a 1200 metros de altitude? Caminhamos com a pele fresca da água da montanha, os grifos voam majestosos pelas térmicas, lá no alto dos céus. Esta é a sexta mais alta serra de Portugal Continental, a fauna autóctone, as raízes da tradição rural portuguesa e vestígios de culturas milenares fundem-se com a paisagem natural da serra. Para lá dos 1000m, o dia transforma-se em noite, no coração da Serra do Soajo. Uma paz que não se explica.



dia três

Deixamos a casa que nos deu guarida para nos fazermos ao trilho, seguindo mariolas discretas, contornando Cachenas e, ao longe, seguimos belas manadas de Garranos com os olhos. A viagem faz-se a descer pelos prados de altitude até aos caminhos de romeiros em peregrinação, lá para os lados de Ínsua, onde os carvalhos dão sombra fresca e bons amigos nos recebem para almoço. Espera-nos um repasto detox com legumes e fruta mais bem tratados da região, preparados pelo Yassine e a Joana. Com sorte, ainda há uma pinga de aguardente para a digestão e alento para 30 minutos a descer ravina para um mergulho de rio.


Chegamos ao rio Adrão, esse selvagem, onde partilhamos hora do banho com trutas, corços, raposas, lontras ou javalis. Com o avançar da tarde, acompanhamos o rio numa floresta de carvalhos, brandas e caminhos ancestrais, até à cerveja fresca do Montanh’Arriba, no Soajo.



dia quatro

Um dia em cheio para a maravilhosa arte do relax! O river trekking sabe a SPA nos corpos meio amassados pelos três dias de caminhada na Serra. A água fresca do Adrão tem propriedades turbo boost nos músculos e descarta qualquer apetência para a denguice. Manuel, nosso guia, percorre o rio desde que se conhece como gente e é com um entusiasmo genuíno que, enquanto vencemos a corrente, partilha connosco os seus segredos.


Recuperação activa de luxo, portanto. Percorremos o rio desde a ponte medieval da Ladeira com o entusiasmo genuíno de que hoje é para a brincadeira. Mais um poço, mais um salto, um olá a um lagarto curioso ou um mergulho neste incrível verde-explosão.




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