Póvoa de Leiras, Drave, Cova do Monte, Pena, Covas do Rio, Regoufe, Covelo de Paivó, Rio de Frades, Tebilhão, Cabreiros e Fraguinha.
Foram estes os pontos que nos desafiámos a unir em quatro dias de caminhada pela inóspita Serra da Freita. São trilhos com séculos de existência e histórias de quem por aqui andou. Mineiros de cá, uns alemães e outros ingleses, carteiros montanheiros, mortos que matam vivos, aldeias mágicas e caminhos que nos transportam para Machu Picchu. Está tudo aqui.
Que o tojo tenha bondade de nós!
dia um
Já não era a primeira vez que me via por cima destas pedras. Há pouco mais de um ano caminhámos pelas Montanhas Mágicas com a maltinha da Nomad e um nevoeiro tão misterioso quanto não-vês-ponta-à-frente-do-nariz.
Com os @bonsselvagens tivemos mais sorte com as condições atmosféricas. A dramática Serra da Arada, hoje estava mansa e mostrou toda a magia do Trilho dos Incas.
Este caminho ancestral ligava as aldeias de Póvoa das Leiras e Covelo de Paivô, por um altos e baixos e altos e baixo e altos que escorrega pela cumeada até ao fundo do vale do rio Paivô. (Até cansa a escrever...)
Os ossos gritam com a água do rio. É uma espécie de amor/ódio, essa água tão fresca que dói, mas acorda os músculos para mais uma subida a pique.
Como se tivéssemos em Machu Picchu, trepamos todo o trilho que nos aparece à frente até à mística aldeia de Drave nos chegar à vista. Aahhh os dourados da hora Mágica a bater no xisto da Aldeia Homónima.
Por mais incrível que pareça, desta vez, escoteiros: zero!
Falta-nos uma cumeada, como quem vai para o Portal do Inferno, onde o xisto luta o espaço com o granito e o que nos resta é subir, pois o sol já baixa. Monta tenda e dá fogo à peça, que o frio aperta!
dia dois
Como que vem de Covas do Monte, sobe, sobe, sobe, controla nas antenas e escorrega até à Pena.
Perdida no coração do maciço da Gralheira, no fundo dos montes, é uma zona agreste, de tal forma que sobre a aldeia domina a sombra, já que o sol chega ao casario apenas poucas horas por dia.
Antigamente, os habitantes da Aldeia da Pena iam a enterrar em Covas do Rio, um percurso a pé estreito e íngreme por entre castanheiros e carvalhos antigos. O caixão do infeliz só podia ser levado por dois homens, um à frente e outro atrás. O trilho entre a aldeia da Pena e Covas do Rio tem vales muito profundos apanhado de xisto, com moinhos e cursos de água esquecidos pelos homens. Em muitas zonas, o sol mal chegava e as pedras estavam sempre húmidas e escorregadias. Ao descer pela encosta, a pessoa que ia à frente com o caixão escorregou, espatifou-se ao comprido e o caixão caiu em cima dele. Assim nasce a Lenda do Morto que Matou o Vivo.
O trilho deixa marcas na memória e nas pernas com o sacana do tojo a esfoliar sem dó.
Agora Regoufe, é para lá do monte. Sobe, sobe, sobe, controla o carvalho alvarinho e escorrega até adiante, como se não houvesse amanhã. A D. Ilda tem umas minis bem frescas à nossa espera. À vossa!!
dia três
Durante a II Guerra Mundial, a presença na senda do volfrâmio, de que as aldeias mineiras são, ainda, testemunhos vivos. Um dos que não está assim tão vivo é o homem que mais kms fez neste trilho cabreiro, de altos e baixos e escarpas profundas, o carteiro. Galgava todas as pedras do percurso com mais de 500m de desnível para levar a correspondência às aldeias de Cabreiros (730m), Tebilhão (815m) e Rio de Frades (350m). Nesta época, o carteiro para além de servir as populações, também dava boas novas (ou não) aos mineiros alemães e ingleses que, em plena II Guerra, andavam à batatada no resto da Europa, mas aqui, cada um com a sua mina, sugavam o volfrâmio para armamento.
Também se conta as histórias dos "pilhas" que eram «todos aqueles que demandaram a serra sem contrato nem projecto definido na procura do volfrâmio. O avô da D. Amélia foi um pilha arouquence, que se aventurou a abrir à picareta a dura rocha na esperança de encontrarem o «ouro negro» que lhe permitia fazer uma pequena fortuna. Não teve grande sorte, mas as cervejas que a D. Amélia nos serviu estavam de dar cambalhotas para trás.
O vale é profundo e o Paivô corre com força lá em baixo. As quedas de água correm com estrondo pelas gargantas apertadas. Olhamos para trás e é só montanhas e montanhas a perder de vista até à mais alta cumeada do Montemuro, o Caminho do Carteiro. «De Arouca saíram muitos milhares de contos de volfrâmio; um legal e a maioria levado pelas redes de contrabando. As fortunas efémeras assim criadas, foram esbanjadas e, terminado o conflito mundial, voltava-se à pacatez do amargo pão de cada dia, num concelho tutelado e triste que só via esperança nas migrações.»
—— Volfrâmio, Aquilino Ribeiro
Onde é que a gente já viu isto.
Trilhos do Morto que Matou o Vivo foi uma viagem organizada pelos Bons Selvagens Representam aventura mergulhados em natureza e amigos de qualidade 🌲
Podem saber mais sobre eles aqui: www.facebook.com/bonsselvagens/
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