Em tempos em que as fronteiras estão fechadas, ainda há janelas que se abrem.
É com um entusiasmo do tamanho de uma montanha das grandes que vos apresento a minha próxima viagem Nomad.
Num trekking em semi-autonomia, partimos do nível do mar à conquista de uma das mais icónicas montanhas da ilha - o Pico Ruivo - terminando num dos mais belos trilhos costeiros do Atlântico. Vencemos obstáculos criados pela geologia vulcânica em canhões como a Ribeira das Cales ou o Ribeiro Frio e aventuramo-nos em magníficos trilhos de BTT, que nos conduzem do emblemático Pico do Areeiro às tranquilas praias de areia negra.
dia um
NO MEIO DO ATLÂNTICO
Foi uma surpresa das boas: 1h20 de avião sem espinhas, sempre a andar e, na chegada à Madeira, 15 minutos de check up covid e já estava a gastar sola a caminho de Machico. A paragem foi bonita, mas curta. Preciso chegar cedo a S. Jorge para arrancar com a prospecção da minha próxima viagem Nomad: “Das Encumeadas ao Atlântico”, que terá a 1° edição em Fevereiro. (Se quiseres mais infos pede por MP :)
São Jorge é talvez a mais fértil de todas as vilas da costa norte. A água em barda motivou a produção agrícola farta e variada, especializada em cana de açúcar e vinha Malvasia cujas uvas produzem o famoso e meio esquisito Vinho Madeira.
Durante muitos séculos, São Jorge foi um importante polo comercial na costa norte, mas a construção das estradas, no século XX conduziram ao declínio da produção à volta do vinho, cana de açúcar e cenas. Segundo malta que sabe, terá sido uma das primeiras freguesias a ser povoada pelos, como diz a anfitriã D. Maria, pelos tipos do Norte.
Por fim, quando as pernas já estão gastas, paramos no Miradouro do Cabo Aéreo que nos leva a vista sobre toda a Costa Norte junto ao mar até a Porto Moniz. Aqui existia um cabo áereo para ajudar os pescadores e os agricultores a transportar os bens que vinham por mar.
Agora come-se prego em bolo do caco com uma Coral para empurrar. Cheers!
dia dois
ATÉ PARA LÁ DAS NUVENS
A D. Maria acorda cedo e deixa em cima da mesa da sala uma cenas boas para o pequeno-almoço. É o que há cá — diz a professora primária reformada que me acolhe como se fosse da família. A forma como insiste para eu comer, como conta as histórias antigas e a catrefada de vezes que recorre ao Nosso Senhor, leva-te de volta à casa da avó. Um privilégio. A despedida é sentida, mas como o reencontro é uma certeza, foco-me no caminho. São 15 km que defrontam um desnível de 1576 metros upa upa. Bora lá!!
Os primeiros kms são percorridos de volta dos Poios, os campos agrícolas em socalcos e antigos palheiros, até à Ilha que, vista de cima, está rodeada por rios e foi isso que lhe deu o nome.
A partir daí o vale começa a empinar, as pernas aquecem e é um puxa puxa pelo pulmão. Mergulhamos na Floresta Laurissilva, essa explosão de verde e gigantismo. O trilho é coberto por uma densidade incrível de vegetação. Por vezes, ao meio dia parece que está a anoitecer, do sol pouco furar.
Um pouco mais acima as urzes dominam a paisagem. É a zona dos nevoeiros, água que é retida nos solos e alimenta as plantas e os riachos. Acima dos 1200m a vegetação torna-se mais baixa, menos vistosa e o calhau salta à vista. Estamos no maciço montanhoso central, por sorte em cima das nuvens e com os picos descobertos. O Pico das Torres, Gato, o Areeiro e, claro, o Ruivo. Tudo escancarado à minha frente a pedir companhia. Tenham calma, estou a ir.
Aos 1862 metros de altitude, chego ao pico da terceira montanha mais alta de Portugal, o Pico Ruivo. Estamos no coração das montanhas mais impressionantes de todo o nosso Portugal e parece que o sinto todo nas veias. Todo todo! O dia está feito.
dia três
POR CIMA DAS NUVENS
Espera-me o dia mais longo, mais exigente e, provavelmente o mais bonito de toda a caminhada. É pela fresquinha da manhã que mesmo logo a seguir a começar, já estamos a chegar: Pico Ruivo, 1862m de rocha vulcânica até ao tutano, é a 3° menina mais alta do país. Faço pontaria a ocidente e mando-me ao longo da cordilheira central até à Encumeada, com vistas sobre as escarpas vulcânicas revestidas pela incrível Laurissilva.
Durante a manhã mantenho a cota acima dos 1400m, de maneira a mergulhar no coração da ilha. Aqui podemos observar a floresta endémica na forma mais selvagem. O Til, o Loureiro, o Folhado, o Sanguinho, o Massaroco, a Orquídea da Serra e a Estreleira, enquanto ouvimos uma Manta a sobrevoar as nossas cabeças (nome local para a águia de asa redonda) – Hoje poupo-vos os nomes em latim. O Urzal de altitude é o campeão na paisagem e dá-lhe uma patine dramática que fica muito bem com o trilho exigente. É um sobe e desce com vegetação que nos engole e, volta e meia, dá tréguas para vislumbrar os picos nas redondezas: Pico Coelho, Milhafre e Canário. Tudo bichinhos acima dos 1600m que nos fazem sentir uma ervilha nesta imensidão de verde e escarpas onde já houve vulcão. É a viajar por 5 milhões de anos quando isto andava tudo a explodir e se fez uma ilha, que trituro com ganas a bucha do almoço.
Depois do Pico Canário é sempre sempre sempre a descer!! Pé ante pé, como as cabras do Gerês e a supless dos vibran, vou descendo nas calmas embrenhado pela Laurissilva forrado a verde explosão.
Quando as pernas começam a dar o toque para estar quieto, eis que aparece à vista desarmada a boa vila de Boaventura. Meio refundida, empoleirada sobre uma colina entre vales e cursos de água, é o poiso merecido para passar a noite.
Mas antes de tirar as botas, sai uma poncha!
dia quatro
CAMINHOS REAIS
O dia acordou sem nuvens, brisa mínima e temperatura perfeita para caminhar. Hoje temos altos e baixos que nunca mais acabam pelas escarpas que se vão deixando contornar pelo Atlântico temperamental.
Apesar de existirem inúmeras falésias na ilha, há uma muito particular entre as aldeias da Boaventura e do Arco de São Jorge, conhecida pelos locais como Entrosa. O que o torna especial é um antigo caminho real, construído com pedra vulcânica às lombas, de maneira a vencer a inclinação abrupta. Construído antes da república, muito antes das estradas regionais, surgiram por iniciativa dos governadores, funcionando como alternativa às ligações marítimas entre povoações. O prego no bolo do caco ganha uma nova dimensão – à moda do Entroncamento – e o sabor é proporcional!!
É ao som das ondas do mar a bater na rocha escura dos vulcões que chego à Porta do Calhau de São Jorge, onde nasceu a freguesia e serviu de porta de entrada de mercadorias e defesa militar da costa norte da Madeira. Bom spot para uma chapa de água salgada para arrefecer as pernas e pés miúdos pelo dia de caminhada.
A luz do dia avisa que está quase a ir e também vou. O Filipe chegou com a van e seguimos serra acima em direcção à Camacha que, com sorte, apanhamos o sol a esconder-se atrás dos picos altos da Madeira. Bom bom era ter uma poncha para brindar a isto. – paramos no Poiso ;)
dia cinco
ALERTA LARANJA
Alerta da Protecção Civil Madeira: Aviso Laranja para a Costa Norte: Ventos fortes, nevoeiro e agitação marítima. Em vigor nas próximas 24h
Chama-se Theta e é a 29.ª tempestade no Atlântico a ter direito a nome este ano e veio despentear a trunfa da Madeira. Nada de grande cena, mas o suficiente para me adiar os planos aquáticos do dia. Nesse caso, plano B: prospecção a piscar o olho ao racing pelos singletrack abrigados por uma floresta incrível até à Camacha. Vento, chuva, nevoeiro e uma lamaceira dos diabos, só para ver se os Moab estão atentos.
É um perfeito parque de diversões se, entretanto, não ficar sem a beiças, tanto é o entusiasmo. Mais a correr que a andar, deixo-me escorregar pelo trilho ondulado a contornar os cedros-da-madeira antigos, castanheiros, faias e uns salpicos de Juníperos das Canárias. Tudo isto, forrado com uma chuva impecável na pinha até ao lar, doce lar.
dia seis
AS FENDAS DAS CALES
Depois da tormenta vem a bonanza, em forma de torneira-aguaceira, com toneladas de água e litradas de divertimento.
É com o entusiasmo de um puto que espero o jipe do Francisco. A viagem é curta, mas parece uma eternidade. Segue o briefing, veste fato, esquipamento no lombo, 10 minutos de trilho e banho! O Canyoning da Ribeira das Cales arranca no coração do Parque Ecológico do Funchal a cerca de 1500m de altitude. Espera-me 2 rapeis upa upa e uma catreifada de obstáculos que a natureza nos oferece, sem filtros. Em rappel, a nadar, Lontring ou a saltar, vamos serpenteando os segredos da ribeira com água, água e água em barda. É uma ode à hidratação!
Depois de 3 horas de gozo puro, brindamos o dia de copo cheio, com o inevitável néctar mágico da madeira: Poncha Regional para a mesa 5 por favor!!
dia sete
MACARONÉSIA POR DENTRO
A saga da viagem de jipe do dia anterior repete-se como um deja vu. O Filipe apanha-me na Camacha e seguimos a todo o gás para a montanha. Ribeiro Frio será o nosso parque de diversões aquático. Para hoje temos um canyoning nível dois que já dá para fazer esganiçar a voz dos mais malandros. O cenário é de um verde arrebatador. Senti-me engolido por uma garganta geológica com ziliões de anos, mergulhado pelas maravilhas da floresta da Macaronésia. Sem dúvida dos banhos mais intensos do ano!
Quando estamos mais de três horas com a adrenalina a saltar das veias, não haverá muita coisa no mundo mais reconfortante que encostarmos à box no Abrigo do Pastor, um casebre na serra que servia de abrigo a caçadores e pastores num tempo que já é o nosso. Hoje em dia e, para nosso deleite, serve uma sopa quente de milho, uma caldeirada de cabrito ou uns escalopes de javali que me faz babar só de lembrar.
dia oito
DO CÉU ATÉ AO MAR
Despeço-me da Camacha, do Valle Paraizo, do bosque mágico, das casas cozy e gente amiga. Não é de ânimo leve que desgrudo de tanta coisa boa e só não vou contrariado porque a atenção já está na aventura que me espera para o resto do dia. A Theta já foi, mas deixou lastro. Isto dito assim parece esquisito, mas eu explico. Theta é a tempestade que levei no lombo há uns dias. No entanto, ainda o vento ainda tem força e deixa o Pico do Areeiro em modo zero paisagem. Não se vê uma patanisca à frente dos olhos. Bike: check!
Capacete: check!
Vontade de manter os dentes: check!
Tudo pronto!!
Dos bem contados 1818m do 4° pico mais alto de Portugal até ao Oceano Atlântico, espera-me um Summit to Sea de 45km super descontraído por cima dos cardados de uma bike. Estradões florestais que, não tivesse um nevoeiro do cacete, teria uma vista para os dois lados da ilha de cair as queixadas. Depois de vários kms mergulhamos por um singletrack que serpenteia a Floresta Laurissilva até à paragem mais técnica do dia: A Poncha do Caniçal! Feita na hora, bebida num segundo. SÓ UMA!! Porque que conduz, não bebe (mais que uma poncha). Aqui a lei tem variações insulares ;).
Atestados, continuamos a descida pela levada da Serra do Faial, onde os sobreiros ainda abundam, mas sob a ameaça macaca dos eucaliptos. Já dá para sentir a maresia a entrar pela penca, o barulho das ondas a dar forte nas rochas.
Voilá, Machico!
Terra bonita em que Zarco, João Gonçalves para os amigos, o intrépido navegador que deu com a ilha para mais tarde povoar de tugas por todo o lado. É aqui que, bem perto da placa que imortaliza o ilustre, exibo as minhas melhores cuecas com um mergulho no azul Atlântico.
Obrigado, Madeira!
Conhecida como o Jardim do Atlântico, a Ilha da Madeira revela um cenário majestoso e surpreendente, que apela à exploração. do temperamental oceano às pristinas florestas, dos vertiginosos cumes do maciço central às desafiantes cascatas, uma jornada para os amantes do outdoor repleta de emoções fortes e aventura. DA ENCUMEADA AO ATLÂNTICO é uma viagem Nomad. Para mais informações: https://www.nomad.pt/viagens/da-encumeada-ao-atlantico/
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