dia zero
Nunca fui tão negligente e mal preparado para uma saída de campo. Por motivos relacionados com cenas aborrecidas da minha vida doméstica, perdi a merda do comboio das 6:15pm onde partiam alegremente os meus companheiros de viagem. Au revoir Sauvage!
Preparei a roupa, equipamento, tralha da Coi, atrelado, bicicleta e umas botas, já de noite, com frontal na tola e uma incompetência impecável. Foge que o próximo inter-cidades é às 7:30pm, vai directo a Vila Velha de Ródão e oferece um bónus com 15 km de asfalto a subir para desenferrujar as ossadas e 5°C em briol só para pensares que ainda é verão. O que é que queria ter mais para uma sexta à noite? Caldo verde! Cogumelos salteados, saladinha-saúde, um queijo de dar cambalhotas para trás e vinho tinto para empurrar.
O amigo João, já nos vai habituando na mestria de receber Selvagens em Sarnadas, onde vive quando não está a a rolar de bike algures pelo mundo fora. Ao som da lenha a queimar e com o entusiasmo de quem vai começar mais uma aventura, a conversa avançou pela noite dentro até dar cabo de duas de tinto. Estava com saudades destes gajos.
dia um
Há dias que não são feitos para muitas palavras e, provavelmente, hoje foi um deles. Tudo tão simples! Depois de Sarnadas de Ródão seguiu-se Amarelos para uma rabanada com café duplo para empurrar, a aldeia abandonada da Azinheira carregada de histórias que os tempos levaram, Benquerenças que nem dei por ela passar, a Ponte romana do Ponsul, Lentiscais que estava fechada para obras e a Ermida Nª Srª Remédios que nos fez a cama.
Foram 55km pelo simples prazer da viagem, partilha, amizade e descoberta daquilo que melhor tem o nosso país ao sol. Será que estou a ficar mole?
dia dois
Ando para escrever este texto há bem mais de uma semana e o empurra com a barriga, é tudo aquilo que não deves fazer quando queres dar fome à escrita. Há detalhes que se perdem, a cronologia batalha-se e, se eu já sou uma nódoa com nomes passado 10 minutos, imagina depois de 10 dias... Como se esperava, no segundo dia, cai a tormenta molha-parvos. O céu manteve-se escuro, mas a chuva foi mansa e seguiu a vida dela para outra freguesia com falta de rega. Seguiram-se longos estradões de terra húmida com poças aqui e ali que forçavam uma gincana malandra por entre os olivais. Esta zona é farta em azeitona da boa. Não daquela do sul, com as oliveiras são quadradas, dispostas de dois em dois metros, para as máquinas encaixarem até lhes sugarem o tutano. Aqui a produção (ainda) resiste a não ser intensiva, mantendo algumas tradições e a dignidade das plantas. Até quando, não sabemos, mas a paisagem sabe bem quando as vemos com espaço para respirar.
Eis que levamos pela frente o Parque Natural do Tejo Internacional pelos olhos dentro. Por momentos esquecemos-nos que as águas que ele arrasta já vão cheia de maldade pelas inúmeras descargas em Espanha e aquelas que ainda vai sofrer em Portugal. O Tejo aqui é incrível. É a fronteira natural entre Portugal e Espanha entalada por escarpas íngremes e selvagens onde alberga bichos como a Ciconia nigra, Aquila chrysaetos, Aquila adalberti, Hieraaetus fasciatus,Neophron percnopterus, Gyps fulvus, Aegypius monachus. Por momentos até eu pensei que estava a dar uma missa...
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Imaculada Randonnée foi uma jornada de bicicleta em autonomia de dois dias pelos caminhos menos óbvios da Beira Baixa Rural, com os Bons Selvagens, pela mão do amigo João Lourenço.
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